Reencontro com São Francisco de João Pessoa ─ PB
O sol em João Pessoa já se fazia alto quando paramos em frente ao São Francisco. Deixei os mais apressadinhos descerem do ônibus enquanto admirava pela janela aquela arquitetura rica em história que não via há décadas. Aliás, se a lembrança não me falha, desde a época das calças curtas, levado pela minha beata mãe às missas dominicais. O caminho até o pórtico da igreja foi uma mistura de espanto, curiosidade e reminiscências, como se cada passo me levasse não apenas a um lugar guardado no passado da minha mente, mas a um tempo diferente, estranho às minhas lembranças.
Ao chegar ao adro, fui recebido pela visão do cruzeiro que para mim era uma montanha que sonhava escalar, mas a minha mãe dizia que ali era o gólgota onde Jesus fora crucificado, lugar sagrado, guardado por águias e pelicanos ferozes. Ele agora estava menor, não era um gigante impossível de subir, nem mais era de negro lúgubre. Ahh! E os degraus, haviam diminuídos, cortados? Não, apenas as minhas pernas haviam crescido muito. Tanto que me permitiram olhar sem medo para os leões que guarnecem o lugar. Lembro que, certa vez, num rompante de coragem, encarei-os, desafiando-os à luta... Qual o que, naquela noite tive pesadelos horríveis e nunca mais ousei fitá-los.
Revivi a peregrinação da Paixão de Cristo, onde a frente de cada cenário, rezávamos um Pai Nosso e uma Ave Maria. Estranho, será que estavam tão acabados assim nos anos 60? Não me lembro. Porque deixaram ficar tão estragados? Qual o responsável por tamanha incúria? Será que estavam assim de há muito e o meu olhar infantil não permitia uma percepção da realidade, mas apenas o que a minha pieguice religiosa queria ver? Não sei, não consigo me lembrar. E até os muros, embora não mais existisse aquele “manto negro” que cobria as pedras, agora revelavam a bela ornamentação, tinham os azulejos brancos de sapatos azuis, muito, mas muito mesmo estragados.
Uma charmosa jovem, que parecia comandar algumas pessoas aplicando novos azulejos numa parede, disse que tudo estava em trabalhos de conservação. Perguntei pelos painéis, porque vi que ales haviam sido removidos para restauro. Ela confirmou. Disse que voltarão ou não para os nichos, restaurados ou consolidados, e que era pensamento deixar os originais dentro do museu por segurança. Mas, o que vão colocar no lugar? Perguntei. Réplicas, respondeu, explicando que está em discussão pelo órgão de preservação se isso deve ou não ser feito. Calado fiquei, agradeci a atenção e seguir avante.
A fachada da igreja, com suas paredes de pedra e ornamentos detalhados, insistiam em me contar estórias da infância. Havia uma serenidade no ar, porque meus companheiros da viagem já tinham entrado no museu. Um silêncio me convidava a refletir no que a moça havia dito. O adro, espaço que precede a entrada, ainda é um palco perfeito para garantir a grandiosidade da igreja, com seu piso de grandes blocos de pedras parecem guardar as pegadas de todos os que ali estiveram. Inclusive as minha de menino.
Parei e voltei-me para absorver vista com o cruzeiro ao fundo. O céu azul era contraste com as cores das pedras e o rendilhado dos azulejos em ambos os muros, pontuados por pequenas capelinhas. A harmonia que só a natureza e o homem conseguem. Outro grupo de turistas já vinha, a tirar fotos, guiado por guia que narrava a história do lugar. E pensei, será que ali haverá alguém onde aquele local fale como a mim?
Entrei na igreja com o coração leve e a mente aberta para as surpresas que podiam vir. As paredes e o teto ainda eram os mesmos, ricamente decoradas com azulejos e pinturas, numa celebração não mais de devoção ao Divino, mas à Arte. O altar onde Pe. Gonzaga celebrava não existia mais. A capela não me parecia mais dourada. E toda a grande nave salão desprovida de incenso e orações.
Saí da igreja com uma sensação de tristeza, de saudade no coração. Meu encontro com o passado, com a fé e, de alguma forma, comigo mesmo, foi frustrante. A Igreja de São Francisco, com sua imponência e espiritualidade que me invadiam na meninice, era agora apenas um marco histórico. Para mim, deveria ser um lugar onde o tempo devia ter parado, onde cada pedra, cada ornamento e cada espaço confirmasse as minhas memórias. Estas, a bem da verdade, só permanecem vivas na minha alma.
Jorge E. L. Tinoco crônica
21jun2024 Crônica ficcional
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